A Onda (2008) é um excelente filme! Muito bom para a reflexão do seu conteúdo que é bastante contundente. Até que ponto a ideologia aliada à ingenuidade e à manipulação são capazes de interferir na vida cotidiana de um grupo, de uma coletividade? Até que ponto um professor consegue reconhecer o poder que tem em suas mãos para mudar a realidade a partir de um discurso construído em nome da disciplina? Acabo agora de assistir também à primeira versão de A Onda (1981) e vou procurar tecer comentários que falem sobre o ‘entre’ as duas versões. Obviamente por tratar-se de ficção e não de um documentário, ambos os filmes se distanciam em alguns aspectos do fato verídico, acontecido em Cubberley High School em Palo Alto, Califórnia, no ano de 1967, que lhes serviu de inspiração. No entanto, a sua essência foi preservada nos dois longas-metragens, sendo que eles se diferenciam pelo caráter mais apelativo da última versão. A primeira versão choca por deixar bem explícito um experimento nazista em sala de aula, durante uma semana, tal qual o próprio professor, anos mais tarde depois do ocorrido, tornou público. Já a segunda versão, mais próxima da nossa realidade, sofreu adaptações que (super)dimensionaram a gravidade do mesmo experimento entre os alunos e a coletividade próxima à escola, com consequências irreversíveis e dramáticas para todos. O fato experimental foi contornado, mesmo com a dificuldade de aceitação pelos alunos, na primeira versão e na realidade da Cubberly High School, inclusive com o apoio total da direção da escola. Já na versão de A Onda (2008), a situação perde o controle de forma mais inusitada e, pior ainda, o professor recebe o apoio da direção da escola para seguir em frente com o seu experimento. Só que no final, apenas o professor é punido, a direção aparece omissa das responsabilidades co-autorais do experimento no filme. O roteiro e seu argumento foram ampliados, basta ver que a primeira versão apresenta um total de 46 minutos, enquanto a segunda tem exatamente uma hora a mais, ou seja, 1h e 46 min de duração. Como eu assisti a segunda versão antes da primeira, posso registrar aqui que fui acometida de um certo susto ao perceber a ligação de certas condutas sugeridas e ou impostas pelo professor no filme A Onda (2008) com outras similares que fazem parte rotineiramente do nosso contexto escolar atual. Ambas as versões questionam a questão da individualidade X hegemonia, tanto no aspecto de liberdade de escolhas quanto no diferencial da personalidade de cada ser humano. No entanto, as duas revelam o quão fragilizados nós somos ou estamos a ponto de nos deixarmos manipular sem refletir sobre o antes, o durante e o depois de cada atitude que nos é proposta, seja em sala de aula, seja a nível de Ensino Médio ou Universitário, seja na vida. O vazio existencial, digamos o niilismo a que somos submetidos por um sistema que nos rouba os sonhos, que nos policia, que nos programa somente para o mundo do trabalho, que nos consome as alegrias de viver, que nos sequestra o direito à liberdade e à justiça social, ao lazer, que subtrai a nossa saúde física e mental, que vigia as nossas liberdades de ação e de expressão, ou, em contrapartida, por um sistema que fornece um super amparo material e quase nenhum psicológico, como era o caso das sociedades envolvidas no filme, enfim, tudo isso fez com que aqueles adolescentes em cena achassem aquele comportamento muito confortável e até necessário estarem sendo dirigidos com o entendimento de eles serem um só grupo, de terem um só objetivo comum que os tornassem importantes, ligados e superiores aos demais, um objetivo que, a partir da segregação, pudesse fazê-los lutar por ele para dar sentido às suas próprias vidas. Por último, cabe ressaltar que, na segunda versão de A Onda (2008), há um mau uso dos conceitos, também como forma de manipulação e subestimação do público a quem se destina. As palavras autocracia e anarquia são praticamente usadas como sinônimos durante o filme e, às vezes, na tentativa de tentar mostrar uma diferença entre elas são empregadas expressões do tipo: autocracia está acima de anarquia, a anarquia é autocrática, tanto o é que os alunos picham o símbolo de a onda exatamente em cima do símbolo da Anarquia quando passam por uma vidraça. Até onde o meu conhecimento permite falar, o brutal totalitarismo imposto pela autocracia nazifascista nada tem a ver com o auto-gerenciamento utopicamente sonhado pelos anarquistas, com total liberdade de expressão, de escolhas e de ações pelo grupo em questão.
Tânia Marques - 01 janeiro de 2014
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