Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Ferreira Gullar
De Na Vertigem do Dia (1975-1980)
Fonte do texto:
http://www.revista.agulha.nom.br/gula.html#traduzir
3 comentários:
coincidência boa...
postei Traduzir-se esta semana no meu blog.
com direito a fagner e chico buarque cantando, como num karaokê.
bela escolha!
Ferreira Gullar, que postagem linda, Tânia.
Veja como somos indecifráveis: uma hora somos uma pessoa, pouco depois somos outra, com novos desejos e voando para outros mundos. Na verdade, temos tantos desatinos que não conseguimos ser apenas um mais normalzinho, mais em paz. Com isso, somos todos uns desconhecidos à procura de algo que está tão perto.
Beijos, querida.
Tais Luso
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