domingo, 6 de março de 2011

O homem e sua vida - Jorge Saes

O homem encontrou-se a caminhar ao cair da tarde e andava devagar. Seus passos e movimentos, que já eram lentos, mitigavam mais.  Olhos fixos ao chão denotavam ausências. Os pássaros que retornavam para os ninhos,  entre os galhos das árvores próximas, realizando uma festa de ardentes pios e cantos, como a dizerem da alegria do reencontro após um dia de conquistas, não lhe sensibilizavam os sentidos. Nada o sensibilizava. Por entre os galhos dos plátanos  e de suas folhas de tonalidades  verdes  outonais, vezes amarelecidas e ocres, raios de sol que brotavam por detrás de nuvens já escuras e frias, marcavam presto, suaves pinceladas, qual  toque final na tela do Grande Artista ao acabar sua maior obra, o dia. Breve cairia o manto escuro da noite, encobrindo as belezas que só a luz, a inspiração e a sabedoria sabem revelar. Este raro momento em nada o tocava. Um vento suave, quase frio, rociava seu rosto cansado. Preso em seu próprio mundo, nas grades obscuras da mente, labirintos se formaram e de lá não pode mais sair por um simples querer, desejo ou pequena vontade. Prosseguindo, não notara os arbustos maiores próximos das árvores densas do caminho. Estes, roçando suas pernas já lhe molhavam os sapatos e as calças com o mesmo orvalho da manhã, que renovado, teimava permanecer umedecendo tudo que se encontrava sob o abrigo das sombras de uma subcolateral no norte da rosa-dos-ventos, onde raros e esparsos raios de sol se atrevem aparecer para aquecer a vida.  Seus pensamentos continuavam absortos e sua consciência nada era capaz de registrar. Se ao menos levantasse a cabeça, os olhos se desviariam do chão irregular buscando um novo horizonte. Nada registrava neste momento de total desapego dos sentidos. Nem mesmo o sino da capela, com todo sonar de seu pio bronze, preenchendo os vazios e silêncios, cortando distâncias, ferindo tímpanos e despertando sonolências, foi suficiente para ativar sua mente absorta. Naquele momento, parecendo não se ajustar a nenhuma tessitura de notas mentais para harmonizar um projeto de vida, não registrava  qualquer sintonia  que assentisse menor atividade mental. Fatigado, deixou-se cair sobre um tronco de árvore e ali permaneceu por segundos, que foram horas, anos, séculos, procurando preencher seus pulmões com ar renovado. Pela primeira vez tentou arpejar um sinal de voz, quase rouco, um gemido, que teimou em ficar preso à garganta seca e cansada. Suas palavras, apesar de ter permanecido sempre alheio às coisas do credo religioso, seriam: - “Meu Deus! - onde estou? “O que aconteceu comigo?”
Não tão longe, nesta pequena geografia da terra, alguém correra sem estancar o  pranto. Pessoas se aglomeraram para olhar, lamentar e testemunhar o que a violência das ruas pode fazer a um pai de família que retornaria ao lar após um dia trabalho. Havia ali o corpo de um homem morto que tivera sua trajetória interrompida, neste plano existencial por um atropelamento de automóvel. Havia além, sentado ainda, em um tronco de árvore, um espírito vivo que reencontrará seu destino e um novo recomeço.
Assim é morrer.
Dormir para despertar.
Vida se abrindo para outras possibilidades...
Jorge Saes – Torres, Mar.05.201
 
Fonte da imagem: reporterdecristo.com

3 comentários:

Jorge Bichuetti - Utopia Ativa disse...

Tânia: que texto lindo e impactante, Linda literatura, a vida e suas encruzilhadas... Na encruzilhada um redemoinho: a vida ali se remoça e se renova...
Pergunte, por favor, ao autor, se posso publicá-lo.
abraços, com ternura, Jorge

Tânia Marques disse...

Já mandei e-mail para ele, perguntando. Mil beijos

Anônimo disse...

Tania, You are the best, do not care about the rest!!!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Pages

Protected by Copyscape Online Plagiarism Detection
 
↑Top